Entrevista: qualidade e comportamento do consumidor de janelas
Conversamos com a engenheira Maria Angélica Covelo Silva fala sobre o papel dos Manuais de Escopo, Norma de Desempenho e Programas Setoriais de Qualidade. Afinal, como tudo isso impacta nosso mercado para melhor? Confira o que esta referência do setor compartilhou com a reportagem do AFEAL News.
AFEAL NEWS – Qualidade é um tema que vem tem estado sempre em pauta em nosso segmento. Neste contexto, qual a importância da Norma de Desempenho para o mercado? Que mudanças vêm ocorrendo nos últimos anos?
Maria Angélica – A norma de desempenho é um marco de definição do que vem a ser a qualidade dos empreendimentos residenciais ainda que para alguns requisitos estejamos trabalhando com critérios básicos. Sempre tratamos a qualidade como a gestão da qualidade do processo de produção e ainda o setor é voltado para a “obra” e a norma veio colocar parâmetros que o produto imobiliário residencial deve apresentar quanto ao comportamento em uso e operação ao longo de sua vida útil.
AFEAL NEWS – Qual o papel dos Manuais de Escopo de Contratação de Projetos?
Maria Angélica – No início dos anos 2000, foi realizada uma verdadeira força-tarefa entre as entidades representativas das várias disciplinas de projeto com o Secovi-SP e SindusCon-SP para estabelecer com precisão as atividades e produtos de cada fase de desenvolvimento de projeto de empreendimentos do mercado imobiliário. Foi um trabalho de grande importância para o setor e, a partir de quando o acesso aos Manuais via web passou a ser monitorado, percebeu-se seu grande alcance a nível nacional. Com a publicação da ABNT NBR 15575 (norma de desempenho) em 2013, novas necessidades surgiram, pois o atendimento à norma envolve uma série de disciplinas de projeto, embora nem todas tenham um Manual de Escopo elaborado. Um conjunto de reuniões com representantes das entidades permitiu que se elaborasse também de forma precisa o escopo de cada disciplina envolvida para o que é necessário para atender a norma. Assim, tanto para os contratantes, quanto para os projetistas, ficaram claras e detalhadas as atividades e produtos necessários para o atendimento à norma no que diz respeito ao projeto.
AFEAL NEWS – O consumidor está mais exigente?
Maria Angélica – Quando compramos qualquer bem de consumo hoje em dia procuramos saber de suas características para tomar decisão de compra e aos poucos o consumidor brasileiro vem se acostumando a analisar estas características nos produtos. Assim também devemos evoluir para que o consumidor de imóveis residenciais saiba reconhecer a qualidade dos produtos finais e dos componentes e sistemas construtivos agregados do ponto de vista dos benefícios que lhes trarão ao longo de toda a vida útil, incluindo este parâmetro que é a durabilidade.
AFEAL NEWS – Como um consumidor mais consciente colabora com o mercado?
Maria Angélica – Isso tornará a competição mais saudável entre empresas de todo o setor, pois hoje ainda temos uma competição desigual quando há não conformidade às normas ou produtos que não atendem a necessidades dos usuários competindo com empresas que se esforçam por colocar no mercado produtos com os requisitos que devem apresentar quanto à segurança, habitabilidade e durabilidade, manutenibilidade e adequação ambiental.
AFEAL NEWS – Qual nosso papel neste cenário?
Maria Angélica – Precisamos educar o cliente com maior abrangência em todo o mercado brasileiro para saber distinguir os produtos que atendem às normas técnicas, que efetivamente agregam qualidade em toda a vida útil do imóvel. Mas também temos desafios de capacitação dos nossos técnicos de todas as áreas da cadeia produtiva e de inovação e desenvolvimento tecnológico para atingirmos desempenho com produtividade elevada em projeto, fabricação de componentes e sistemas e construção.
AFEAL NEWS – Como as entidades setoriais e programas setoriais de qualidade auxiliam nesta direção?
Maria Angélica – Eles têm o papel de capacitar todos os envolvidos para as medidas de projeto, fabricação e construção necessárias, de disseminar este conhecimento com o desafio das dimensões do Brasil e de agir no sentido de conscientizar sobre a necessidade de se valorizar produtos que atendam aos requisitos e critérios como forma de, não só atender melhor o consumidor, mas também de reduzir riscos e aumentar a competitividade dos fabricantes.
AFEAL NEWS – E a atuação dos consultores de esquadrias?
Maria Angélica – As esquadrias precisam atender a um conjunto de requisitos e critérios como parte que são do sistema de vedações verticais dos edifícios. Além de atenderem às suas normas específicas na norma de desempenho, seu papel se amplia porque temos que assegurar o desempenho do sistema de vedações como um todo, e cabe aos consultores trabalharem para analisar a interação das esquadrias com os demais componentes do sistema e com os demais sistemas para requisitos como o desempenho estrutural, segurança contra incêndio, desempenho térmico e acústico, entre outros. Assim, o consultor não mais se preocupa com a esquadria em si apenas, mas com todas as ações na edificação que afetam o seu desempenho como parte do sistema. Por exemplo, se o consultor não analisar as deformações de uma estrutura de concreto e como elas afetarão o sistema de vedação vertical como um todo, os requisitos de desempenho estrutural poderão ser penalizados e o desempenho da esquadria por consequência por mais que ela seja um produto conforme às suas normas.
AFEAL NEWS – Para finalizar, o que mais você gostaria de dizer aos leitores do AFEAL News?
Maria Angélica – Costumo dizer que a construção civil é sempre dita como um setor intensivo em mão-de-obra, mas, cada vez mais, à luz do conceito de assegurar desempenho ao longo da vida útil das edificações sob os aspectos de segurança, habitabilidade e sustentabilidade (durabilidade, adequação ambiental), a construção civil se torna um setor intensivo em conhecimento. Nossas necessidades como usuários de edificações, as mudanças climáticas que geram ações sobre as edificações como intensificação de ventos, calor, frio, chuvas etc, as características mais complexas das edificações e vários outros fatores exigem que todos da cadeia produtiva inteira busquem conhecimento tecnológico e interação, pois a edificação é como o corpo humano, nela está tudo interligado e o desempenho do todo depende de interação entre quem projeta, quem fabrica, quem constrói e quem dará manutenção em todos os sistemas.